Leila Guerriero

Leila Guerriero

“O idioma é a pátria ibero-americana”

Fotografía: EFE/Guillermo Legaria
Texto: Macarena Soto

Leila Guerriero nasceu a 17 de fevereiro de 1967 em Junín (Argentina). Começou sua carreira de jornalista na redação de Página/30 em 1991 e desde então seus textos podem ser lidos em espanhol, inglês, italiano, romeno ou alemão. É uma das vozes mais potentes do jornalismo narrativo e colunista dos meios mais importantes da região.

Os tênios sempre vão em sua mala. É em seus quilômetros de corrida leve por parques, ruelas ou avenidas onde lhe chega grande parte da inspiração, essa que continua alimentando com os poemas de Idea Vilariño ou as colunas do mais jornalístico de todos os García Márquez que a Ibero-América teve.

Conta todos os minutos com a intensidade de uma agenda apertada, e ainda que muitos percebam-na como uma editora dura e voraz, assegura que não gosta de dar conselhos a ninguém, mas alcança dizer que se alguém consegue pensar em deixar o jornalismo, não duvide em fazê-lo: “eu não poderia fazer outra coisa a mais do que escrever, mas se alguém está pensando em deixá-lo, que o deixe”.

Leila Guerriero nasceu em Junín (Argentina) faz agora 49 anos e, apesar de ter sua assinatura presente em todas as grandes publicações de crônicas jornalísticas latino-americanas como Gatopardo, O Malpensante ou Etiqueta Negra, e em diários de grande prestígio como El País ou La Nación, não se reconhece como referente das novas fornadas de jornalistas.

JORNALISMO LATINO-AMERICANO

“O que aconteceu nos últimos 15 anos no jornalismo latino-americano é que os referentes mudaram, temos referentes para os mais novos e são latino-americanos”, introduz para citar os mexicanos Alma Guillermoprieto e Juan Villoro, o chileno Cristian Alarcón ou seus compatriotas Martín Caparrós e Josefina Licitra.

E é que algo deve ter acontecido para que “os jovens de agora não aspirem a escrever como Gay Talese senão que queiram ser Caparrós, Villoro ou Julio Villanueva Chang. Isso sim pode ser uma diferença com a Espanha, onde há articulistas incríveis, mas sinto que talvez deixaram de prestar atenção à crônica”.

“A crônica das Índias foi inventada na Espanha, não fomos nós”, lembra jocosa e sempre dando nomes, como quem aponta culpáveis de toda uma trajetória literária em espanhol “que sim é uma pátria”, segundo diz.

Como pagando uma dívida pendente, revisa a história literária e jornalística de um dos grandes autores ibero-americanos, Gabriel García Márquez, de quem resgata suas primeiras colunas nos diários colombianos, cheias de uma linguagem “moderníssima, quase vanguardista”.

“Devemos-lhe que inclusive depois de ganhar o Nobel continuasse se perguntando sobre sua vocação. Sempre disse que era jornalista”, celebra a argentina, quem assegura que a Gabo “não só se lhe deve a Fundação (de Novo Jornalismo Ibero-americano) senão também a valorização do ofício”.

Culpa o colombiano de provocar-lhe “uma grande inspiração” porque, segundo conta, ao ler os textos de García Márquez “morre-se de vontade de escrever” e assinala que, além da Fundação, contribuiu “sem querer” a substituir os referentes anglo-saxões pelos latinos.

DESAFIOS JORNALÍSTICOS DO SÉCULO XXI

Perante os variados desafios que enfrenta o jornalismo, as redes sociais (das que foge), o jornalismo cidadão, a precariedade laboral ou a transição do jornal em papel ao digital, Guerriero se mostra teimosa e insiste em que escreve “por vocação”.

“O nosso sempre foi um ofício muito difícil, pelo menos em nosso continente”, diz sem rodeios apontando a que a sua foi a geração que teve de lutar “contra a precariedade laboral”, mas a anterior “o fez contra as ditaduras”.

Ao seu ver, os meios fizeram “uma coisa muito perigosa” com o jornalismo cidadão, “convencendo as pessoas de que qualquer um pode ser jornalista”, ainda que reconhece que aportes cidadãos deram lugar a grandes investigações como Wikileaks.

“Há uma coisa de fazer jornalismo é que você vai fazendo no ato de fazer, vai aprendendo, se tira uma foto e a carrega é o grande descobrimento durante umas horas, e depois se liquidifica, isso não o transforma em jornalista, o transforma em cidadão com boas intenções”, acrescenta.

Não necessita que lhe façam uma pergunta para resolver certas incógnitas que sabe bem: “por que há gente que continua querendo escrever romances se os escritores ganham salários muito baixos? Por que se escreve? Porque não se pode fazer outra coisa”.

“Não é como herdar a empresa do papai e me dedicar a fabricar mais dinheiro. Tem a ver com uma pulsão criativa, com o fato de querer provocar um efeito em outra pessoa e isso é algo muito poderoso, não podemos reprimi-lo e guardá-lo em uma sacola e dizer que dá no mesmo, dedico-me à advocacia que, com isso, vai-me melhor”.

LITERATURA E LINGUAGEM

A poesia, que lê “por prazer” e lhe “ensina a escrever”, marca as pulsações de sua forma de narrar, principalmente poetas como Idea Vilariño ou Louise Gluck, quem “com pouco, pouco, pouco, fazem muito, muito, muito”.

“Demonstra-lhe que não faz falta fazer uns enormes saltos ornamentais no ar para emocionar, que junta-se duas palavras e quebra-se a garganta a uma pessoa, e isso é algo que a poesia ensina”, compartilha.

A escritura é seu modo de vida, o idioma “uma coisa mágica que funciona” na Ibero-América: “é genial que sejamos dezenas de países falando algo que se chama espanhol, vamos ao lugar onde fala-se o espanhol mais estranho do mundo e entende-se, isso é maravilhoso”.

“A pátria é o idioma, isso sim nos une, temos Sor Juana Inés de la Cruz, Cervantes, Góngora, Nicanor Parra, Idea Vilariño … é fantástico que toda essa gente tenha produzido literatura em uma mesma língua. Não há outro idioma no mundo que tenha este fenômeno”, sentencia.