Leonardo Padura

Leonardo Padura

“Temos uma Ibero-América com peculiaridades nacionais, mas onde a cultura e a língua nos une”

Fotografía: EFE/Alejandro Ernesto
Texto: Macarena Soto

Leonardo de la Caridad Padura Fuentes nasceu a 9 de outubro de 1955 na casa na que ainda vive da Havana. Os alicerces foram construídos pelo seu avô, acabados pelo seu pai e ampliados por ele para viver junto a su esposa Lucía. Profundamente ligado a Cuba, suas imagens inundam sua narrativa, condecorada com o Prêmio Príncipe de Asturias em 2015.

Madri.- Cubano “pelos 64 lados”, Leonardo Padura acumula em seu curriculum artigos, ensaios, livros, contos e antologias, assim como o Princesa de Asturias que o premiou por uma trajetória literária ligada a “uma questão de pertinência a uma cultura e uma língua” e “a um contexto do qual surge” o que é “como pessoa e como escritor”.

“Vivo na casa em que nasci, que meu pai construiu, no bairro da Mantilla da Havana, o mesmo bairro no que viveu meu avô e meu bisavô”, explica em Madri antes de se declarar “cubano de caráter, de cultura e de espiritualidade”.

Insiste em que sua literatura demonstra por si mesma sua nacionalidade cubana, que trata sobre Cuba e os cubanos, define-se pelo “nível da linguagem” e se aprofunda “nas tramas relacionadas com o fato de ser cubano”.

Jornalista por acaso e “quase por castigo” (enviaram-lhe a um jornal desde uma revista cultural), dedicou sua tese de grau de Letras hispano-americanas a Inca Garcilaso da Vega, escritor de ascendência espanhola e inca, considerado o primeiro literato hispano-americano.

REVOLUÇÃO E JORNALISMO

“A origem sempre esteve muito presente em meu trabalho e em minha pessoa”, reflexiona enquanto faz revisão de seu “trajeto interior” pela Revolução cubana que começou quando ele tinha quatro anos (em 1959).

Assim, lembra que viveu toda sua “vida consciente” no “período revolucionário” que considera “uma revolução real, que mudou muitíssimas coisas”, principalmente as relações econômicas que, ao seu ver, “mudam tudo em uma sociedade”.

“Foi intensa com momentos românticos, excessivamente politizada, com uma proximidade muito grande ao modelo soviético nos anos 70, a melhora da economia nos 80, uma crise tremenda nos 90 e com um socialismo pragmático nos anos 2000”, analisa.

Sempre interessado no rumo político do seu país, considera que a Revolução “foi introduzindo mudanças nos anos mais recentes” ao mesmo tempo que acrescenta que o desenvolvimento da mesma “não é total” ao não resolver “problemas que se acumularam durante anos”.

Conta que jamais pensou seriamente em deixar a ilha caribenha, na qual, apesar dos problemas que lhe ocasionou, sempre escreveu e se expressou com liberdade: “escrevo o que necessito escrever e digo o que necessito dizer”.

Padura começou sua carreira jornalística “nas três publicações mais importantes” da Cuba dos 80 na que se desenvolveu o jornalismo literário da ilha (Caimán Barbudo, La Gaceta de Cuba e Juventud Rebelde), caminho do que se afastou uma década depois para se dedicar plenamente à literatura.

JORNALISMO E ESCRITA CUBANA

Durante a crise dos anos 90, pensou em ir embora de Cuba durante um tempo, mas em vez disso decidiu se refugiar nas letras. “Escrevi como um louco para não virar louco”, diz a esse respeito e explica que em menos de 10 anos acabou três romances, um livro de contos, um ensaio sobre Alejo Carpentier, dois roteiros de cinema e várias antologias.

“Tinha certeza do fato de que queria permanecer em Cuba por uma questão de pertinência, eu pertenço a uma cultura, uma tradição, uma língua, uma sociedade e contexto do qual surge o que sou como pessoa e como escritor”, resolve.

Filho de uma católica e de um maçom, revela que seu outro grande esconderijo é sua casa, na que vive com sua companheira Lucía, e na qual se dedica totalmente à sua paixão e sua obsessão: a escritura.

“Escrevo todos os dias, quando não é um roteiro, é um conto, um ensaio ou um correio eletrônico, mas sempre escrevo, de segunda-feira a domingo, todas as manhãs”, diz Padura quem sofre pelos amigos e curiosos que se aproximam até a Mantilla para visitá-lo e quebrar o ritmo de trabalho.

Leonardo tem medo da sociedade atual, “em um momento no que ocorrem coisas muito graves na Europa que terão repercussão no resto do mundo”. “Não estávamos preparados para o que está ocorrendo, já não é uma crise, senão que, a nível global, vivemos um momento de absoluta incerteza”.

“Tenho muito medo de que possamos começar a pensar que o passado era melhor, gostaria de pensar que o futuro sempre será melhor, às vezes me pergunto se estamos avançando ou retrocedendo”, reflexiona.

Perante o momento global Padura sabe: “o mais inteligente é a unidade, como escritor cubano, latino-americano e Ibero-americano torço pela unidade”.

“Existe uma Ibero-América com muitas peculiaridades nacionais e regionais, mas existe uma comunidade Ibero-americana na que a língua, a cultura, o trauma da conquista e colonização nos une”, opina.

Acredita que esse “trauma” também “teve a ver com a própria Espanha”, onde se viveu “de outra maneira” mas também se “sofreu ao não serem capazes de capitalizar o que significou este encontro com o novo mundo”.

CÚPULAS: AVANÇOS E DESAFIOS

Referente às Cúpulas Ibero-americanas, o escritor opina que “foi feito um esforço”, ainda que não “se cumpriu totalmente”, mas também reconhece que perante “os desafios principais que continuam existindo, houve soluções ocasionais e avanços em muitos sentidos”.

“Não só no (âmbito) cultural, que é com o que mais lido, sei que houve uma série de intenções de incentivar a unidade no terreno científico, educacional, social, e se fez o que se pôde dentro dessa diversidade”, acrescenta.

Pertencente a “um universo cultural muito reconhecido, o Ibero-americano”, assinala que “o fato de que exista uma vontade política de reconhecer que existe essa comunidade, e que essa comunidade deve estar em diálogo e em proximidade, por si mesmo, é um fato importante”.